domingo, 27 de março de 2011

Quem é?

“Vigiai, portanto, porque não sabeis nem o dia nem a hora.”
(Mt 25, 13)

Quem é essa visitante traiçoeira,
que nos chega sorrateira,
sem convite, sem chamado?
Quem é essa insensata, inoportuna,
que as vezes manda recado,
mas quase sempre faz surpresa?
Quem é essa que carrega a quem procura,
que por vez nem lhe tortura,
mas lhe rapta de repente,
deixando uma dor pungente,
nos que ficam lacerados?
Quem é essa navegante,
sem porto certo, errante, sem hora para aportar,
mas que aporta com certeza,
pra quem lhe espera é surpresa, pra ela certo será.
Seu rosto não se conhece,
pois só o mostra a quem visita,
e a quem visita ela leva quem não volta pra contar.
E esta desconhecida – todos sabem – um dia chega,
chega cedo, chega tarde, não tem hora nem lugar.
E todos sabendo disso, sabendo dessa certeza,
nunca conseguem a proeza de saber se preparar.
Essa inconveniente, não se comove, é comovente,
deixa sempre choro e pesar.
Mas, quem é essa malvada,
que nunca é castigada, mas castiga sem cessar?
Há quem dela nunca fale,
estremece com a idéia, não comenta, não discute,
teme apressar-lhe a visita.
Não sabe essa criatura que a visita um dia chega,
mas nada apressa ou retarda a chegada da desdita.
A hora de sua vinda é mistério indecifrável,
nem ela sabe essa hora, mas bem na hora ela chega
e chega com sutileza, cumprindo sua missão.
Missão triste, com certeza, pra quem vai e pra quem fica,
nunca pra ela, a maldita, que executa seu labor.
De quem falo? Falo dela.
Da única coisa certa que nessa vida se tem.
Com certeza você já sabe,
falo da temida morte
que por azar ou por sorte um dia ela sempre vem.
Não se deve fugir dela, isso é busca inacessível.
O que fazer? E é possível?
Sim, é tentar preparar-se pra receber a visita.
Pois se de certo ela vem e o tempo passa apressado,
Se a visita não nos chega, chega pra alguém muito amado.

Geraldo Souza
Março/2011

sábado, 19 de março de 2011

Da palmatória à cadeirada

Não que se queira ser a palmatória do mundo, mas é urgente refletir sobre as mudanças na educação que as gerações presentes têm presenteado as crianças e os jovens, de certos tempos para cá. Com freqüência, vimos noticias nos meios de comunicação dando conta de agressões sofridas por professores, dentro das próprias salas de aulas. O caso mais recente foi o da professora que ao pedir silêncio para a turma foi surpreendida com uma cadeirada, ferindo-a na altura da cintura, não tendo o caso um desfecho mais grave, graças à intervenção de outros alunos que conseguiram conter o estudante (ou meliante).  (a notícia)
Muitos outros casos de agressão são vistos com freqüência na mídia. E de quem será a culpa? Será que os jovens de hoje são mais violentos e menos tolerantes? Será que os professores dos tempos atuais são incompetentes e menos hábeis para lidar com a juventude? Será que os filmes, os desenhos animados e os jogos eletrônicos incitam a violência? A resposta é não.

Sempre existiram filmes de violência desde os “cowboys”, os filmes e seriados policiais e os de artes marciais. O veterano John Wayne iniciou seu sucesso em 1930 e em várias películas disparou centenas ou milhares de tiros, acabando com a vida de muitos bandidos e índios revoltosos, no sangrento velho oeste americano. O mocinho com cara de malvado carregava dois potentes revólveres na cintura e não hesitava em dispará-los exterminando quem atravessasse seu caminho. E os orientais especialistas em caratê ou outras artes afins chegavam a arrancar a cabeça de seus inimigos com golpes fatais. E muitos outros filmes que envolviam a máfia italiana, os agentes secretos ingleses como o 007, as guerras que geravam os “heróis” americanos como o Rambo, e tantos e tantos outros, eivados de violência, mas que nem por isso geravam essa violência nos jovens espectadores entusiasmados.
Nas escolas, os alunos eram duramente castigados se cometessem algum deslize. A palmatória era usada para punir por um “mal feito” ou até por não ter acertado a tabuada. As crianças eram postas de joelhos por determinado tempo, como pena reparadora de determinado erro, à vista dos colegas, para servir de exemplo. Ser mandado para a Diretoria era um terror; significava erro grave pelo qual os pais deveriam ser comunicados e poderia motivar a suspensão ou até expulsão da escola. Tudo isso era feito com a autoridade e a autonomia do corpo docente, com plena aprovação e consentimento dos pais ou responsáveis. Todos os colégios mantinham normas disciplinares rígidas, todas de pleno conhecimento das famílias e da sociedade.
Mas, como diz o poeta, o tempo não pára. A terra gira e mundo está em constante evolução. Algumas crianças podem ter ficado traumatizadas com esses rígidos castigos do passado. Em verdade, nunca vi ninguém com esses traumas, mas é possível que exista, afinal, conheço muito pouca gente nesse mundão de meu Deus. A evolução trouxe mudanças que, paulatinamente, foram transformando os métodos e as práticas educativas.
Entramos na era do diálogo, da conversa, do não à violência. Infelizmente chegamos a fases em que tudo era permitido. É proibido proibir.
Isso sim trouxe conseqüências desastrosas. Hoje, demos graças, muitos de nossos sábios já reconhecem os erros do excesso do “tudo é permitido” e afirmam que crianças e jovens necessitam que lhes sejam impostos limites.
Tudo isso foi estendido às demais áreas do conhecimento e da sociedade. Há uma confusão no conceito de cidadania, de direitos individuais e coletivos e até de direitos humanos. Há leis que punem os infratores, mas há uma gama de outras normas legais que protegem os maus elementos, os caloteiros e outros.
Antes, o professor castigava o aluno com o consentimento e aprovação dos pais. Hoje, se o professor der um carão no estudante, os pais recorrem à imprensa e à justiça exigindo reparação e até indenização por constrangimento e danos morais, ou seja, o aluno erra e o professor é castigado.
A professora agredida com a cadeirada, mencionada no início, ficou ferida por fora e por dentro, e nada mais; o agressor, segundo a imprensa, poderá ser punido com a suspensão por uma semana de aula. Será que para esse jovem patife, isso será castigo? Ou será prêmio?

Suponho, mas não tenho certeza da resposta. Mas uma certeza eu tenho: se, ao contrário, a mestra o tivesse agredido, ainda que apenas com duras palavras ofensivas, seria ela execrada pela imprensa e por toda a sociedade e, no mínimo, perderia a cátedra. Felizmente ela não perdeu a cadeira; infelizmente ganhou a cadeirada. E o salário, oh!






Geraldo Freitas Souza
março/2011

sexta-feira, 11 de março de 2011

Carnaval de ontem e de hoje

Desde a não participação na festa porque a mulher não deixa até o reconhecimento do cansaço e da fraqueza dos super-heróis que “fogem” do perigo, passando pelo amasso das latinhas com os músculos glúteos, o que facilitaria o trabalho dos catadores, tudo isso demonstra a “evolução” da musicalidade que rege a maior festa popular brasileira, o carnaval.
O carnaval de hoje pode ser tido como uma festa cultural, mas não como cultura.
O carnaval era samba, frevo e marcha ou marchinhas com suas variações como a marcha-rancho (eita, que antiguidade!), mas hoje, principalmente no nordeste, é “axé”, “pagode” e até forró. Não se fala e muito menos se compõem músicas de carnaval ou para o carnaval. Pega-se o que há de pior qualidade, desde que tenha um toque de sexualidade e erotismo ou pelo menos de duplo sentido, atribui-se um arranjo mais acelerado e pronto; eis aí a música para o carnaval.
Colombinas, arlequins e pierrôs povoavam os salões e as canções carnavalescas de outrora, atribuindo-lhes um sabor misto de alegria, sensualidade e romantismo, por vezes permeado por sentimentos de ciúme e traição. O ritmo frenético do frevo fluía dos metais; sambas e marchinhas emanavam da percussão cadenciada e os foliões dançavam e pulavam, ao tempo em que se embeveciam com as letras românticas, com toques de humor e malícia, abraçados às suas caras-metades ou a procura delas. A marcha-rancho surgia como um alento, um refrigério, acalmando os ânimos e aconchegando os corações apaixonados.
O carnaval sempre foi uma festa profana, carregada de malícia e sensualidade. As letras sempre ressaltaram o namoro, a beleza feminina, o triângulo amoroso. Também faziam referência a fatos históricos ou atuais, em destaque na época. A ida do homem ao espaço sideral e à lua, o início do conflito em Israel, a mudança da capital do Brasil para Brasília foram alguns dos temas que marcaram época e inspiraram os compositores momescos.
O carnaval é cultural. Confetes e serpentinas, pouca roupa e muito brilho, homens vestidos de mulher, mais liberalidade nos vícios e na sexualidade. Tudo isso é carnaval, tudo isso sempre se viu embora cada época tenha seu grau de permissividade. O que ontem era proibido, hoje é permitido. Não vou opinar sobre o que acho certo ou errado. Cada um construa a sua própria opinião.
E o que mudou?
Para mim mudou a criatividade. Basta ver as letras com poucas frases e meramente apelativas. Mas, mudou principalmente o sentido cultural da maior festa popular brasileira. Transformaram o carnaval numa festa de rua sem identidade. Alteraram o “DNA” da folia de Momo e ela hoje é irreconhecível posto que se confunde com qualquer outra festa. Se duvida, vá ver, em qualquer cidade, suas festas comemorativas em qualquer época do ano. São as mesmas bandas, as mesmas músicas e as mesmas “misturas de ritmos”.
É preciso resgatar essa cultura. Não que se volte a carnavais como os de antigamente, mas que sejam carnavais. Que tenham canções e ritmos próprios dos carnavais. Que tenham músicas e letras que falem do carnaval, que falem do amor e do romance entre os foliões (homem e mulher), ainda que amores efêmeros, que ressaltem a alegria e que ironizem a tristeza. Enfim, carnaval com identidade própria, que não se possa confundir com festa de aniversário da cidade, com festa da Padroeira (no seu aspecto profano) nem muito menos com a tradicional festa junina.
Ainda bem, que aqui e ali ainda surgem algumas poucas manifestações do autêntico carnaval, mas é muito pouco.
Pense nisso e de quebra conheça ou relembre uma marcha-rancho de grande sucesso nos carnavais do passado.

“Tanto riso, oh! Quanta alegria,
Mais de mil palhaços no salão.
Arlequim está chorando pelo amor da colombina,
No meio da multidão.

Foi bom te ver outra vez
Está fazendo um ano
Foi no carnaval que passou,
Eu sou aquele pierrô
Que te abraçou,
Que te beijou, meu amor,
Na mesma máscara negra
Escondes teu rosto,
Eu quero matar a saudade.
Vou beijar-te agora,
Não me leve a mal
Hoje é carnaval.

(Máscara Negra - Zé Queti – 1967)
Geraldo Souza
Carnaval de 2011