sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Espécies em Extinção

Ter muitos filhos era encarado como dádiva divina. Mas como tudo passa, tudo muda, muitos conceitos referentes a essa matéria foram mudando. O trabalho de dona de casa e de mãe começou a ser colocado em segundo plano

“Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra.” (Gn 1, 28)

Já houve um tempo em que as famílias eram numerosas. Dez, doze, ou quatorze filhos eram comuns em meados do século passado. Algumas chegavam ao recorde ultrapassando duas dezenas de filhos. Quando o varão contraia mais de uma núpcias, o que só ocorria por falecimento da esposa, pois o divórcio não existia e as separações eram raras, então o número de rebentos era aumentado significativamente.
As mulheres eram, pacificamente, donas de casa, esposas e mães e se orgulhavam disso. O trabalho doméstico, incluindo a tarefa de ser mãe, nunca foi valorizado como ainda não o é, mas a maioria das mulheres, como ainda hoje, sonhava com o casamento e eram felizes na sua dura missão de “prendas do lar”. Embora não valorizada, a maternidade era, por muitas vezes, tema de poemas e canções que enalteciam essa nobre missão.
Ter muitos filhos era encarado como dádiva divina. Mas como tudo passa, tudo muda, muitos conceitos referentes a essa matéria foram mudando. O trabalho de dona de casa e de mãe começou a ser colocado em segundo plano e as mulheres passaram a substituir ou acumular os serviços domésticos com atividades fora de casa. Quem tinha boa condição financeira e capacidade para conseguir trabalhos bem remunerados, substituía, deixando tudo a cargo de empregadas domésticas e babás. Quem não tinha tal condição, acumulava, fazendo os trabalhos domésticos à noite e nos finais de semana e os filhos ficavam aos cuidados de creches, vovós ou até vizinhos.
Tudo isso, como tudo que acontece no mundo, tem responsáveis ou culpados. O capitalismo é o principal responsável. A ganância exacerbada aliada ao crescimento populacional fez com que os donos do capital passassem a contratar mais trabalhadores, porém reduzindo seus salários para manter ou aumentar os lucros. Ganhando menos os homens não tinham condições de proporcionar o sustento adequado para suas famílias e as mulheres se viram obrigadas a buscar meios de contribuir com as despesas domésticas. Mas não é só isso. Na segunda metade do século XX, a humanidade passou a conviver com o chamado movimento feminista que busca a valorização da mulher. Prós e contras à parte, a “profissão” de dona de casa passou a ser cada vez menos valorizada. O bonito é trabalhar fora que nem o homem, mesmo ganhando sempre menos que ele e recebendo salários irrisórios.
A renda familiar foi diminuindo mesmo com a participação do casal na constituição dessa renda. Além disso, o custo de vida foi subindo e as necessidades da vida moderna foram aumentando. Televisão, telefone (fixo e depois o móvel), geladeira e, até, o automóvel deixaram de ser um privilégio de poucos passando a ser uma necessidade de todos. Para completar veio o computador e a “internet” sem os quais ninguém mais consegue viver. A indústria e o comércio investem na propaganda, hoje marketing, induzindo ao aumento de consumo. E a bola de neve cresce. Mais novidades, mais propaganda, mais “facilidades”, mais consumo, mais necessidade de dinheiro, mais sufoco, mais dívidas. Mais mulheres acumulam o trabalho profissional com os afazeres domésticos e mais homens adicionam, aos seus empregos, atividades informais, “bicos”, tentando conseguir renda suficiente para as suas induzidas demandas.
Um conceito fundamental foi alterado: antes o homem deveria ganhar o suficiente para manter sua mulher e seus filhos; depois, o homem e a mulher deveriam ter somente os filhos suficientes para serem mantidos com a soma de seus míseros salários.
E as mudanças foram acontecendo. As famílias que antes tinham doze ou quatorze filhos foram diminuindo até chegar a um intervalo de três a cinco, no máximo. Mas ainda era muito. As dificuldades continuavam pois as condições eram cada vez piores. Os serviços públicos pioravam e as exigências de consumo da vida moderna cresciam a passos largos. O controle da natalidade passa a ser imperativo. Pílula, preservativo, D.I.U., ligadura de trompas, vasectomia e outros, foram se tornando conceitos e preceitos cada vez mais presentes na vida “moderna” das pessoas. Sem falar no aborto que se tornou comum, apesar de crime e pecado grave, para exterminar os embriões e fetos que conseguissem driblar os métodos anticonceptivos utilizados.
As famílias continuam diminuindo. É inteligente e elegante ter apenas um ou dois filhos, mesmo que ganhe o bastante para criar dez. Muitos casais não querem mais ter filhos ou, no máximo, apenas um. Os motivos não são mais os financeiros, pelo contrário, os ricos são os que menos procriam. A dificuldade de criar, a violência, as drogas, as incertezas do futuro, os problemas de modo geral da vida de hoje, são causas suficientes para “não se colocar mais gente no mundo”.
E começam a surgir os efeitos colaterais. Muitos paises europeus estão ficando com uma população de idosos; começa a faltar mão de obra. Os Serviços previdenciários passam por dificuldades, pois enquanto a população assistida cresce, o contingente de contribuintes diminui drasticamente. Antes dez ou mais filhos contribuíam para a aposentadoria do pai; agora um filho contribui para a aposentadoria do pai e da mãe. Com isso, a remuneração dos aposentados é cada vez mais reduzida tornando miserável a sobrevivência dos idosos.
Os encontros festivos familiares se tornam monótonos pela reduzida quantidade de membros. Os graus de parentesco se reduzem a pai e mãe, avô e avó. Duas categorias de parentes estão em via de extinção: o tio e o primo. Todos tínhamos diversos tios e tias e algumas dezenas de primos e primas. Agora temos um tio e um ou dois primos com a triste tendência de queda desses já reduzidos números. Nada demais. Muitas espécies foram extintas ou encontram-se em fase de extinção pela ação de seus predadores entre os quais o próprio homem. Neste caso, o homem é o predador de si mesmo; o homem devora o próprio homem. Isso, é claro, não acontece no sentido literal, mas, por suas atitudes, por seus preconceitos e por seus preceitos criados e impostos, subliminarmente, à comunidade dos seres livres.
Tantas e tantas Leis são editadas para defender e garantir a manutenção de tantas espécies. A proibição da caça à baleia; os períodos de defeso para camarões e caranguejos; a proteção à procriação das tartarugas marinhas; a proteção da fauna e da flora de todo o ecossistema da mata atlântica, a proibição e controle do desmatamento da Amazônia; a garantia de vida para o mico leão dourado; e outras tantas atitudes de seres iluminados na busca da preservação do planeta terra, me orgulham de pertencer a tão nobre casta. Talvez, se humanos primitivos tivessem tido semelhantes preocupações, ainda tivéssemos o prazer de conviver com dinossauros e outros répteis e aves da época.
Seria bom que surgissem normas e leis de proteção e preservação das espécies de tios e primos. Fala-se muito em acabar com a pobreza. Fala-se também em educar e instruir os pobres. Ainda bem que são apenas promessas da classe política nos palanques eleitorais, pois são esses pobres que insistem em preservar as já quase extintas espécies citadas.

Janeiro/2008
Geraldo Souza

Um comentário:

  1. Muito importante a colocação do autor e afirmo que senti uma verdadeira preocupação com todo o conteúdo que acabei de ler, nunca tinha parado para ver o mundo e as coisas que estão acontecendo desta forma....

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